quarta-feira, 8 de março de 2017

Andrade Gutierrez pagou a Cunha por medidas provisórias, diz delator

Deputado cassado teria defendido interesse do grupo em projetos sobre temas tributários

POR EDUARDO BRESCIANI
08/03/2017 4:30 / atualizado 08/03/2017 5:57

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha - Eraldo Peres/AP/12-9-2016

BRASÍLIA — Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo revelou, em sua delação premiada, que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) atuou em favor da empreiteira na tramitação de nove medidas provisórias no Congresso. Cunha defendeu os interesses do grupo atuando como relator, apresentando emendas e utilizando sua influência até quando já era presidente.


Esses depoimentos, ainda sigilosos, foram encaminhados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) à Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF). Cunha está preso em Curitiba desde outubro no âmbito da Lava-Jato. A defesa dele nega as acusações.

A atuação de Cunha ocorria principalmente em MPs de temas tributários. Além do relato de Azevedo, os investigadores tiveram acesso a mensagens de celular nas quais Cunha trata das negociações, sugerindo, em alguns casos, que outros parlamentares poderiam fazer as alterações legislativas desejadas sem que ele tivesse de apresentar emendas. Fazem parte da lista MPs que tramitaram no Congresso de 2009 até 2015, ano em que Cunha já era presidente da Casa. A investigação busca mapear como ele era remunerado pela empresa pelo “serviço”.

O GLOBO fez um levantamento sobre as MPs. A primeira é de 2009. A MP 472 foi editada em dezembro e aprovada em maio de 2010. A proposta original do governo tinha 61 artigos; o que saiu do Congresso,140. Cunha apresentou três emendas. Com base em uma delas, foi retirado do texto original uma permissão para aplicação de multa quando uma empresa indicasse para pagamento de tributo um crédito insuficiente ou ilegítimo. “A criação de mais uma multa para prejudicar o contribuinte não é aceitável”, justificou Cunha na emenda.

PEDIDO DE ‘SEGREDO’ EM MENSAGEM

Descrita na delação da Odebrecht como proposta com irregularidade, a MP 627 está na lista das que sofreram interferência de Eduardo Cunha — relator da MP sobre tributação do lucro de empresas brasileiras no exterior.

Cunha fez profundas alterações, ampliando prazos e dando benefícios a empresas. Após a tramitação, a então presidente Dilma Rousseff vetou uma alteração de Cunha que permitia construtoras escaparem de aumento de tributação. Nas mensagens de celular apreendidas, ele pede “segredo” ao executivo.

Outra MP citada por Azevedo é a 608, de 2013, que já apareceu na Lava-Jato. Em documento apreendido na casa de Diogo Ferreira, então chefe de gabinete do ex-senador Delcídio Amaral, havia inscrição de recebimento por Cunha de R$ 45 milhões do BTG Pactual por mudanças na proposta. Cunha disse à época que a emenda dele prejudicava o banco porque impedia a utilização, pelas instituições financeiras, de alguns créditos de instituições falidas e em liquidação extrajudicial. A MP tratava de regras de capitalização das instituições e de emissão de títulos, o que é feito pela Andrade.

HUGO MOTTA FEZ MUDANÇAS

Cunha apresentou emendas à MP 651, de 2014. Uma delas ampliava possibilidades de empresas que aderissem a programas de renegociação de dívidas com a União de não pagar honorários judiciais em ações que viessem a ser extintas. Com texto diferente do proposto pelo peemedebista, a proposta foi contemplada.

O delator relatou a atuação de Cunha a favor da Andrade nas MPs 510 e 517, de 2010; 561, de 2012; e 651, de 2014. Cunha não apresentou emendas nem relatou, mas algumas tiveram aliados à frente. Na MP 561, o relator Hugo Motta (PMDB-PB) incluiu artigo que mudou a tributação de brita e areia para construção mesmo sem que a proposta do governo tratasse disso.

A defesa de Cunha afirma que não teve acesso às acusações, mas diz haver uma tentativa do delator de envolvê-lo em atos que ele não praticou.

— Não há dúvida de que se trata de mais uma delação desprovida de base empírica em que um delator, a partir de ilações e criações mentais, busca envolver Eduardo Cunha em prática de atos ilícitos dos quais ele não participou — afirmou o advogado Ticiano Figueiredo.

A assessoria de Hugo Motta informou que o processo legislativo é complexo e não há como “o relator controlar todas as demandas”. “Vale salientar que não houve interferências de Eduardo Cunha na minha indicação para a relatoria da MP”, completou. A Andrade Gutierrez disse que colabora com as autoridades.

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