domingo, 24 de abril de 2016

A pinguela para o inferno de Michel Temer

Por Raul Carrion, no site da Fundação Maurício Grabois:

No último domingo, 17 de abril, a Câmara dos Deputados votou a admissibilidade do processo de impedimento da Presidenta Dilma Roussef, em uma sessão conduzida por um malfeitor corrupto – Eduardo Cunha – e em benefício de um traidor sem escrúpulos – Michel Temer –, sem qualquer preocupação com a existência ou não de algum “crime de responsabilidade”, sem o que qualquer impedimento é inconstitucional, configurando um golpe contra o Estado Democrático de Direito.

Nessa ocasião, o povo brasileiro assistiu a um espetáculo deprimente, no qual centenas de deputados votaram a favor do impedimento de Dilma, alegando motivos que nada tinham a ver com o “relatório” farsesco, elaborado por um dos quadrilheiros de confiança de Eduardo Cunha. Os votos eram proferidos em homenagem “à mamãe”, “à minha sogra”, “aos meus filhos”, “aos meus eleitores”, “à Deus”, “ao Cel. Brilhante Ustra” (torturador e assassino confesso), “contra a educação sexual nas escolas”, “contra o Programa Mais Médicos”, “contra a troca de sexo nas escolas” [?], e assim por diante! Um show de descaramento e imbecilidades.


Nesse show de hipocrisia, a deputada Raquel Muniz (PSD/MG), dedicou o seu voto ao marido, Ruy Muniz, que, segundo ela, seria um “exemplo de administração honesta no município de Montes Claros”. Mas, como “Deus não joga, mas fiscaliza”, na segunda-feira, 18 de abril, ele foi levado preso pela Polícia Federal, por reiterados atos de corrupção contra o SUS... E o deputado Jovair Arantes (PTB/GO) – relator do “impedimento” de Dilma, foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás pelo uso de funcionário público no seu comitê de campanha, durante o horário de serviço.

Essa votação na Câmara dos Deputados foi totalmente ilegítima – seja por ter sido dirigida por um meliante que devia estar atrás das grades, seja por não terem comprovado qualquer crime de responsabilidade da Presidenta Dilma. Apesar disso, a mídia golpista apresenta essa votação, nula de direito, como a concretização do “impedimento-golpe”; passou a tratar o “Judas Temer” como o presidente de fato do país e especula sobre o seu ministério e programa de Governo – pomposamente denominado “Ponte para o Futuro” –, elaborado em cumplicidade com o capital financeiro nacional e internacional. Ao mesmo tempo, o “PIG” (Partido da Imprensa Golpista) trata a legítima Presidenta do país – eleita por mais de 54 milhões de votos – como “carta fora do baralho”. Tenta, com isso, criar um fato consumado e intimidar àqueles que resistem ao golpe.

É preciso afirmar “em alto e bom som” que perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra! A luta continua e nesse momento qualquer “derrotismo” faz o jogo dos inimigos. É preciso mobilizar todas as forças sadias do nosso povo na luta das ruas, na luta para derrotar os golpistas no Senado e no STF, na batalha junto à opinião pública para deslegitimar o golpe farsesco em curso. Como afirma com sabedoria o nosso povo: “só peru morre na véspera”...

Ao mesmo tempo, é preciso desmascarar o projeto “ultraneoliberal” e antipovo que é os golpistas pretendem aplicar, caso consigam concretizar o seu golpe. Para isso, é necessário examinar com atenção o documento “Ponte para o Futuro”, divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, em 29 de outubro de 2015, e os documentos posteriormente, elaborados pelos asseclas de Temer.

“Uma ponte para o futuro”

Inicialmente, é preciso dizer que essa proposta – ainda que apresentada pelo PMDB – foi elaborada por economistas neoliberais do PMDB, PSDB, PPS e DEM, chancelada nos salões da FIESP e apoiada por economistas ultraortodoxos como Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de FHC (aliás, cotado para assumir o Ministério da Fazenda do usurpador Temer).

O ex-ministro da Previdência de FHC, Roberto Brandt – um dos coordenadores do referido documento – em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, em 18.04.16, afirmou que as medidas previstas serão “duras e impopulares”. E arremata: “esse documento não foi feito para enfrentar o voto popular. Com um programa desses não se vai para uma eleição. (...) Vai ser preciso pedir 15 a 20 minutos de rede nacional e dizer a verdade sobre o que vem pela frente.” Caberia perguntar: porque não dizer a verdade desde agora? Fica claro que não só o “presidente impostor” carece de votos, como também o seu ”programa” é antipovo e antinação.

O Senador Roberto Requião, do PMDB, denuncia: “o meu Velho PMDB de guerra não se reconhece no documento que, na realidade, tenta marcar uma total ruptura do partido com as propostas voltadas para o âmbito social. (...) refletindo o alinhamento incondicional ao domínio das finanças (...) e captura dos rumos do governo pela Banca. (...) Ulysses morreu. Querem agora enterrar suas ideias.”

O documento ao analisar a crise econômica e fiscal vivida pelo país é incapaz de relacioná-la à crise mundial que há oito anos assola as principais economias do mundo, levando-as à estagnação e à recessão. Para os neoliberais de plantão, o problema é que a Constituição Cidadã de 1988 concedeu demasiados direitos ao povo – especialmente sociais e trabalhistas – com o que não há orçamento que aguente: “As despesas públicas primárias, ou não financeiras, têm crescido sistematicamente acima do crescimento do PIB, a partir da Constituição de 1988. (...) o Governo Federal cometeu excesso, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos.” E a “velhinha de Taubaté” ainda acredita que tais críticas se referem ao “PROER” de FHC – que em seu governo gastou bilhões de reais para socorrer os banqueiros privados – e não a programas sociais como o “Bolsa Família”, “Minha Casa, Minha Vida”, “Luz para Todos”, “Ciências sem Fronteiras”, etc.

O documento silencia completamente sobre o escorchante pagamento de juros e prestações da dívida aos banqueiros, que é a despesa que mais rapidamente cresce no Brasil e drena, a cada ano, quase 50% do orçamento nacional. Como há “falta espaço para (...) elevação da carga tributária”, a solução “é a obtenção de um superávit primário capaz de cobrir as despesas de juros”, o que só possível através de um corte drástico nas despesas públicas. Pois, “qualquer voluntarismo na questão dos juros é o caminho certo para o desastre.” Da mesma forma, o documento não faz qualquer menção à regulamentação do imposto sobre as grandes fortunas (previsto na Constituição) ou aos impostos sobre o capital especulativo.

O documento prossegue atacando a Constituição de 1988 e às garantias constitucionais ali inscritas: “Foram criadas despesas obrigatórias (...) vinculações constitucionais (...) indexaram-se rendas e benefícios de vários segmentos (...) tornamos norma constitucional a maioria das regras de acesso e gozo dos benefícios previdenciários (...) a maior parte das despesas públicas tornou-se obrigatória”. Considerando as vinculações orçamentárias à saúde e à educação, assim como as indexações dos benefícios previdenciários um absurdo – pois podem comprometer o superávit primário, que só existe para pagar juros e prestações da dívida aos banqueiros – o documento afirma que “é necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais, como no caso dos gastos com saúde e com educação (...) o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais. A cada ano o Congresso (...) decidirá (...) os reajustes que serão concedidos, dependendo sempre do nível de atividades econômicas (...) Quando a indexação é pelo salário-mínimo, como é o caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a eles um aumento real (...) Com o fim dos rejustes automáticos [inclusive do salário-mínimo], o Parlamento arbitrará (...) os diversos reajustes conforme as condições gerais da economia e das finanças públicas.”

É preciso ter claro que a desvinculação dos recursos para a saúde e para a educação no orçamento significa o fim de todo o modelo de financiamento da Educação e da Saúde Pública no Brasil. E que o fim da política de valorização do salário-mínimo e sua desvinculação de todos os benefícios previdenciários, significa que, a curto prazo, os aposentados passarão a receber menos de um salário-mínimo. 

Quanto aos direitos previdenciários, além de acabar com a garantia da manutenção do seu poder de compra, o documento afirma que “é preciso ampliar a idade mínima para a aposentadoria, de sorte que as pessoas passem mais tempo de suas vidas trabalhando e contribuindo, e menos tempo aposentados. (...) é preciso introduzir (...) uma idade mínima eu não seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova escalada futura” (...) “é indispensável que se elimine a indexação de qualquer benefício ao salário-mínimo. (...) Os benefícios previdenciários dependem das finanças públicas e não devem ter ganhos reais”. Ou seja, os direitos previdenciários deixarão de ser um direito social e passarão a depender da existência de “sobra de caixa”, após o pagamento do serviço da dívida aos banqueiros.

Inimigos jurados do que chamam de “gastança em programas sociais”, os autores do documento avisam: “vamos propor a criação de (...) uma espécie de Autoridade Orçamentária, com competência para avaliar os programas públicos (...) bem como (...) o equilíbrio fiscal como princípio da administração pública” e “a cada ano todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente [certamente formado por representantes do empresariado e dos banqueiros], que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios.” Mas como podem os que têm como único objetivo o lucro mensurar os benefícios dos programas que têm por objetivo o bem-estar social? Só os muito ingênuos não percebem o que acontecerá com os atuais programas sociais...

Quanto aos direitos trabalhistas – além das anunciadas reformas legais e constitucionais para retirar direitos – o documento propõe “permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais”. Ou seja, um mero dissídio coletivo, assinado em uma conjuntura econômica desfavorável aos trabalhadores, muitas vezes por um sindicato pouco representativo ou dominado pela patronal, irá prevalecer sobre os avanços legais, arduamente conquistados. Isso significará o fim da legislação trabalhista e o retorno ao “laissez-faire” dos primórdios do capitalismo!

Por todo o exposto, o documento reconhece que a ”solução será muito dura para o conjunto da população, terá que conter medidas de emergência, mas principalmente reformas estruturais. (...) Ajustes de emergência implicam sempre em perdas e sofrimentos (...) teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais (...) será necessário um amplo esforço legislativo, que remova distorções acumuladas (...). Essas reformas legislativas são o primeiro passo da jornada e precisam ser feitas rapidamente. (...) Será uma grande virada institucional (...) Isto significará enfrentar interesses organizados e fortes, quase sempre bem representados na arena política.”.

Que “interesses organizados e fortes” serão esses? Serão os interesses dos latifundiários, dos banqueiros, dos monopólios, das multinacionais, ou dos barões da mídia? Santa ingenuidade! Os “interesses” que o documento propõe a atacar são os dos trabalhadores urbanos, pequenos agricultores, aposentados, negros, mulheres, jovens e excluídos em geral. Interesses que, obviamente, serão reprimidos “a ferro e fogo”!

Depois de atacar os direitos de trabalhadores e aposentados, os programas sociais e os avanços conquistados pelo povo na Constituição Cidadã de 1988, os neoliberais de Temer deixam claro a que vieram: “executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio da transferência de ativos [“privatizações”] que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos [saúde, educação, segurança e tudo mais que for rentável] e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo”, que nada mais é do que a entrega do pré-sal aos interesses internacionais!

E prosseguem: “O Estado deve ser funcional (...) Para ser funcional ele deve distribuir os incentivos corretos para a iniciativa privada (...) um novo ciclo de desenvolvimento deverá apoiar-se no investimento privado (...) modelos de negócio que respeitem a lógica das decisões econômicas privadas, sem intervenções que distorçam os incentivos de mercado, inclusive respeitando o realismo tarifário [“lucro máximo”]. Instale-se o império da iniciativa privada e do mercado!

No âmbito externo, o documento propõe uma “maior abertura comercial” e a “busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul”. O que sinaliza o fim de qualquer política externa independente, voltada aos países emergentes e do “Terceiro Mundo” – BRICS, Mercosul, CELAC, UNASUL, etc. – e o retorno à velha política de alinhamento automático e subalterno aos EUA (inclusive podendo reviver a ALCA) e à Europa, com a abertura do nosso mercado interno às mercadorias, serviços e capitais das grandes potências econômicas e tecnológicas do mundo. O que resultará na destruição do nosso parque industrial e o estrangulamento do nosso desenvolvimento tecnológico.

O aprofundamento de um neoliberalismo requentado

À medida que avança a ofensiva golpista, Temer e seus asseclas aprofundam suas propostas neoliberais. No dia 27 de março, em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães e principal articulador da “pinguela para o inferno” – Moreira Franco – afirmou que haverá uma redução generalizada de subsídios, entre eles os que beneficiam o comércio exterior brasileiro e a indústria nacional, como a exigência de “conteúdo nacional” nos bens e serviços adquiridos pela Petrobras.

Da mesma forma, Moreira Franco avisou que acabará o uso de recursos do FGTS a fundo perdido para financiar o programa “Minha Casa, Minha Vida”. Ora, todos sabem que o MCMV é inviável sem esses subsídios e isso significará a sua sentença de morte. Quanto ao combate às desigualdades, ficará restrito aos 10% mais pobres, que vivem com menos de US$ 1 dólar ao dia. O que valerá para programas como o Bolsa Família, o Pronatec, o Fies e tantos outros. 

E o jornal Valor de 14 de abril reproduz a proposta de Carlos Kawal, economista chefe do banco Safra, um dos inspiradores de Temer: “Segundo Kawal, seria preciso ainda lidar com questões como a rigidez do orçamento da União com gastos obrigatórios, como saúde e educação, e dos Estados, ligados a salários.’Já há a proposta de redução de carga horária, com redução proporcional do salário (...) para os Estados seria ainda mais importante’.” Ou seja, para atender os banqueiros, corte-se os recursos para a saúde, para a educação e para os salários!

A mesma edição do jornal Valor também apresenta a “agenda de transição” que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) deverá apresentar a um eventual governo espúrio de Temer: “Reformar a Previdência Social (...) Regulamentar a terceirização (...) Rever a política de reajuste do salário-mínimo (...) Rever o regime de partilha em óleo e gás (...) Aumentar a participação privada nos serviços de água e esgoto (...) Transferir as administrações portuárias ao setor privado (...) Simplificar o licenciamento ambiental.” Como se vê, uma agenda para neoliberal algum botar defeito... 

“Arrochar" a saúde, a educação, o social, para pagar os banqueiros

O exame da autodenominada “Ponte para o Futuro” nos indica que o golpe de Estado em andamento não significa somente o rompimento do Estado Democrático de Direito – o que por si só já seria gravíssimo. Mais do que isso, ele significa a retomada do projeto neoliberal no nosso país, em um nível de radicalidade nunca antes visto, exatamente quando o neoliberalismo conduz o mundo a uma crise econômica, social e ambiental catastrófica.

Trata-se, para Temer e seus asseclas, de aplicar uma brutal contenção dos gastos públicos para gerar crescentes superávits primários – diferença entre tudo o que é arrecadado e tudo o que é gasto pela máquina pública, excluído o serviço da dívida –, para que o governo possa, com essas sobras, pagar os juros e as amortizações da dívida pública com os banqueiros. O resto – saúde, educação, infra-estrutura, programas sociais, etc. – que espere! Em 2015, o Orçamento Nacional destinou 45,11% para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública aos banqueiros. Mas, para que isso se concretizasse, era necessário um enorme superávit primário, o que Dilma não assegurou... Pelo que, tem que ser derrubada...

Por tudo isso, qualquer que seja o resultado do golpe em andamento, teremos pela frente tempos de muita luta, em defesa das liberdades democráticas, da soberania nacional, dos direitos dos trabalhadores, dos aposentados, do desenvolvimento nacional. Temos que ser capazes de unificar todas as forças populares, patrióticas e democráticas possíveis – algumas delas momentaneamente extraviadas pelo oportunismo pragmático –, para enfrentar essa ofensiva reacionária e neoliberal que, ainda que nacional, tem caráter internacional!

Nesse momento, é preciso combater tanto o derrotismo pusilânime, como sectarismo que nos leva ao isolamento! Radicalizar com amplitude e ampliar com radicalidade! Esse é o rumo!

Postado por Altamiro Borges às 10:31

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