sexta-feira, 18 de novembro de 2016

“Nem a Revolução Acreana e nem Plácido de Castro foram responsáveis pela anexação do Acre do Brasil”, diz historiador

Professor Eduardo Carneiro/Foto: Arquivo pessoal

A Folha do Acre entrevistou o historiador, escritor e professor doutor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Eduardo Carneiro, sobre o Tratado de Petrópolis.

Como já é de costume, Eduardo fez declarações polêmicas sobre a história acreana.

“Nem a dita Revolução Acreana e nem Plácido de Castro foram os responsáveis pela anexação do Acre. Nossa historiografia é bairrista e provinciana, olha tudo a partir do umbigo. Foi o corpo diplomático brasileiro quem pôs fim à Questão do Acre, negociando com os Estados Unidos, o Bolivian Syndicate, a Bolívia e o Peru. Sem tal negociação, o Acre não teria sido nacionalizado”, disse Carneiro.

Confira abaixo a entrevista completa com o historiador:
1. Qual a importância do Tratado de Petrópolis para a anexação do Acre ao Brasil?

Foi fundamental, pois resolveu diplomaticamente a chamada Questão do Acre com a Bolívia, que era naquele momento quem mais reivindicava o território e com o qual os “brasileiros do Acre” já haviam travado uma disputa armada. No entanto, o processo de anexação do Acre ao Brasil e, consequentemente, o fim da Questão do Acre, só veio mesmo em 1909, com o Tratado assinado entre o Brasil e o Peru, já que este último país também pleiteava essa região que hoje chamamos de Acre. Até a assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903, o Acre não figurava oficialmente nos mapas do Brasil.

2. Como assim não era do Brasil? E os brasileiros na região? E a Revolução Acreana?

Ter brasileiros na região não faz a região território brasileiro. Assim como o bairro da Liberdade em São Paulo não deixa de ser brasileiro mesmo sediando a maior colônia japonesa do mundo. Os brasileiros não perderiam sua nacionalidade, apenas se tornariam estrangeiros, pois o que estava em jogo era a nacionalidade do território. Portanto, o patriotismo não passava de uma artimanha retórica para mobilizar a opinião pública nacional em favor dos interesses fundiários dos seringalistas e das rendas fiscais do governo do Amazonas. E foi exatamente a defesa desses dois interesses que ocasionaram a chamada Revolução Acreana que, diga-se de passagem, não pôs fim à Questão do Acre, pelo contrário, apenas serviu para dar visibilidade nacional à mesma, além, é claro, de produzir dezenas de cadáveres.Professor afirma que Barão do Rio Branco foi mais importante que Plácido de Castro na história acreana

3. O senhor está querendo dizer que a tão comemorada Revolução Acreana não foi a responsável pela anexação do Acre ao Brasil?

Não sou eu quem diz, são as evidências históricas quem afirmam isso. Basta analisar os fatos sem o preciosismo típico da literatura acreanocêntrica. Senão vejamos: a) independente do conceito de “Revolução Acreana”, quer seja todos os eventos de resistência ao governo boliviano, quer seja apenas aquele liderado militarmente por Plácido de Castro, ela nunca resultou na incorporação de um palmo de terra sequer ao Brasil, o máximo que fez foi tornar o Acre um país independente; b) a vitória militar obtida contra o “miúdo” exército boliviano pelas tropas acreanas em Puerto Alonso em janeiro de 1903 não foi definitiva, já que o próprio Presidente da Bolívia, juntamente com o seu Ministro de Guerra e tropas bolivianas, ameaçaram invadir a região; c) Foi o Barão do Rio Branco quem evitou a carnificina, pois sabendo da “desforra”, tratou logo de acordar um modus vivendis com o governo boliviano; d) a vitória militar parcial obtida pelos acreanos em janeiro de 1993 contra os bolivianos não representou o fim da Questão do Acre, pois o território já estava “arrendado” para o Bolivian Sindicate e, contra esse sindicato internacional, os acreanos pouco ou nada podiam fazer; além do mais, a Revolução, no máximo, garantiria a posse de terra dos brasileiros na região do Purus, já que a do Juruá, o conflito era com os peruanos e não com os bolivianos; e) a dita Revolução foi mais obra da iniciativa do governo do Amazonas do que a dos acreanos propriamente ditos; Plácido de Castro nunca foi o mentor intelectual e nem o político da Revolução, no máximo, foi um líder militar convidado (ou contratado?) para uma causa que não era dele.

Sem a renúncia do Bolivian Syndicate assinada em 26 de janeiro de 1903 e sem a assinatura do modus-vivendi em 21 de março de 1903, tanto o destino do Acre, quanto o dos acreanos estava em suspenso. Por isso é que digo que o destino deles foi mais um resultado diplomático traçado nos gabinetes ministeriais do que um resultado militar traçado nos campos de batalha. Em resumo: a Revolução chegou ao fim sem que o Acre fosse nacionalizado.

4. Então, a participação do Barão do Rio Branco na Questão do Acre foi mais importante do que a do herói Plácido de Castro?

Claro que sim, não tenho a menor dúvida quanto a isso. Como já falei, a fase militar do processo de anexação do Acre ao Brasil não conseguiu incorporar sequer um palmo de terra ao Brasil. De nada adiantaria uma vitória militar definitiva contra os bolivianos, sem o sucesso diplomático que o Itamarati teve com os EUA, com o Bolivian Sindicate e com o Peru. Já pensou se o Bolivian Sindicate não renunciasse seus direitos sobre o Acre? Já pensou se os EUA unidos resolvessem apoiar a Bolívia e o Bolivian Sindicate contra o Brasil? Apesar de ambos serem parceiros comerciais, o Brasil até então se recusava ao alinhamento requerido pela Doutrina Monroe. Foi o esforço diplomático que garantiu a neutralidade dos EUA, a renúncia do Bolivian Sindicate, além das compensações à Bolívia e do Peru. Plácido de Castro sequer foi convidado a participar das negociações, ele em nada interferiu ou contribuiu com o desfecho diplomático. Foi em meio a essa disputa simbólica sobre quem seria o “herói” do Acre que a figura de Plácido de Castro passou a ser mitificada em âmbito regional como o principal responsável pelo sucesso da anexação do Acre ao Brasil. Isso como uma forma de diminuir a importância do Barão do Rio Branco que, como já foi falado, também foi um dos responsáveis pelo “rebaixamento” do Acre à condição de Território.

5. Por que então foi Plácido de Castro que recebeu uma projeção local como herói dos acreanos e não o Barão do Rio Branco?

Simples, pois os autonomistas preferiram consagrar um líder local do que um nacional. Não devemos esquecer que o Barão do Rio Branco foi um dos mentores do “rebaixamento” do Acre à condição de Território, e tê-lo como herói não era estratégico para a causa autonomista. Os autonomistas queriam tornar o Acre um Estado, para tal propósito, era mais estratégico a escolha de liderança local como herói. O “Barão” sendo aceito como “pai do Acre”, ficaria mais fácil justificar o domínio político federal naquele território. O diplomata Barão do Rio Branco encarnava melhor o caráter nacional dos republicanos. Em contrapartida, a figura de Plácido de Castro fortalecia o regionalismo dos “coronéis” do Acre. A idolatria a Plácido de Castro foi uma tradição construída e mantida postumamente. Enquanto esteve vivo, nenhum prefeito endossou práticas comemorativas à “Revolução” ou aos “heróis da Revolução”, muito menos ao próprio Plácido de Castro. A consagração dele como “herói do Acre” só aconteceu porque ao longo da história não faltou quem obtivesse algum tipo de ganho simbólico ou dividendo político com a exaltação dele. Primeiramente os autonomistas, que fizeram dele um patrono de suas causas, depois os próprios militares, que exaltavam Plácido de Castro mais por ele ter sido um militar do que um “revolucionário”. Na literatura nacional, porém, é comum encontrarmos quem dedique o sucesso da anexação do Acre ao Brasil ao Barão do Rio Branco e não a Plácido de Castro. “Rio Branco” foi nomeado um dos centros comerciais mais importantes do Acre naquele início de século. O governo federal, através dos prefeitos, rendia-lhe homenagens, tratando-o como “patrono do Acre” (jornal Acreano, de Xapuri, 1 de novembro de 1909, Nº 56, primeira página). O Barão do Rio Branco ainda estava vivo e seu nome passou a ser utilizado em ruas, estabelecimentos públicos e praça. Sem dizer do “17 de novembro”, data da assinatura do Tratado de Petrópolis, que também virou nome de escola e outros.

Eduardo Carneiro é licenciado em História (UFAC) e bacharel em Economia (UFAC). É mestre em Linguagem e Identidade (UFAC) e doutor em História Social (USP). Atualmente é aluno do Doutorado em Estudos Linguísticos (UNESP). É escritor, editor de livros e poeta nas horas vagas.

Confira os livros publicados pelo historiador, que podem ser encontrados no endereço (www.eaceditor.blogspot.com):


1) Amazônia, limites & fronteiras: uma história revisada da nacionalização do Acre;
2) A Formação da Sociedade Econômica do Acre: “sangue” e “lodo” no surto da borracha (1876-1914); e
3) A Epopeia do Acre e a manipulação da história.
4) A Fundação do Acre(ano): História e Linguística.
5) “Acreanidade” e comemorações cívicas no Acre (no prelo)

Por Redação Folha do Acre -18 de novembro 

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